Lado B - Primeira Temporada (Download Gratuito)

Quem Ama Agora?

Eu sempre fui para ela. Sempre. Minha respiração, minha pulsação, minhas sensações de desmaio e frio quando ela estava presente. Os micos pagados que a faziam rir me divertiam mais do que envergonhavam. Mas, apesar de sempre me ver, ela não me enxergava. Não da maneira que eu a enxergava. Algo como uma deusa, acima das nuvens. Tudo bem, uma deusa meio hardcore, mas não se julga os modos de uma deusa. Seus cabelos negros oleados, olhos tão profundos e escuros quanto piche... uma mochila jeans rasgada e um celular preenchido por rock. Ela era a minha deusa do melhor estilo garage glamorous. Tudo pra mim.


Quando decidi me declarar, ela entendeu cada palavra minha. Sob sua visão, eu era apenas uma criança de 15 anos desabafando sobre um delírio, algo utópico que, se dependesse dela, jamais aconteceria. Era utópico, afinal. Inebriava com seu aroma de patchouli e aquela cara de sono, que pesavam em seus olhos e voz. Lembro-me de minhas pernas e mãos tremendo. Lembro-me do fato de parecer que minhas veias estavam dilatadas, abertas, bombeando mais sangue do que poderiam, me dando a sensação de que eu explodiria. E eu explodi.


Com um não, ela me derrubou no limbo. Cobriu-me com terra velha, úmida e pregou uma cruz com meu nome. O meu nome completo. Meu coração não sentia, não queria sentir, mas meu cérebro ardia, assim como meus olhos, inflamados, escarlates. O gosto da terra na minha boca, o amargo, o sujo... vomitei. Vomitei, durante anos, o meu amor por ela. Vomitei tudo que um dia eu senti e me levantei pela terra. Com esforço, cheguei à superfície. Respirar novamente fez meus pulmões se cortarem de uma só vez, cruelmente. Lavei o meu rosto com o orvalho e caminhei para o meu novo futuro.


Hoje, ao perceber que não tem em quem confiar, corre para mim e me diz como sou importante. Quando seus olhos brilham de mágoas, melancolia e nostalgia, ela se lembra do que eu era para ela e, talvez, o que eu poderia ser. E isso a magoa. Mas não a mim. Talvez eu me sinta culpado por encarar seus olhos com tanta frieza e de saber que ela me entedia violentamente, mas não me magoa.


Isso só me mostra a bigorna que eu sou agora, imóvel, pesado, gelado. E eu me orgulho disso. Eu sou a força. Eu sou o poder. Eu sou quem ela desprezou e hoje deseja. Esse não é um final feliz?



- por Enrique Coimbra

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